Secas extremas em Portugal: mais um reflexo da crise climática

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Nas últimas semanas, as notícias em Portugal e em todo o mundo falam das secas extremas que atingem a Península Ibérica. E as questões que devemos procurar responder são: por que as secas ocorrem e por que é que se estão a tornar mais frequentes?

As secas sempre existiram na região, com muitas referências históricas de períodos de muitos problemas económicos e sociais, como deslocações de população e também muita fome.

Porém, as secas como as que estamos a viver agora têm acontecido com intervalos cada vez menores entre elas, o que é uma demonstração de que os resultados da crise climática são cada vez mais impactados pelo nosso estilo de vida.

E, por mais que hoje em dia haja formas de garantir acesso a água, através da distribuição de água potável por todo o país, além de mecanismos para evitar as perdas financeiras dos produtores rurais, uma questão essencial é: como é que isto pode ser evitado para que não se repita daqui para a frente?

Secas históricas em Portugal

De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, instituto público que observa as questões climáticas no país, as ocorrências de seca são frequentes em Portugal Continental. E isso tem consequências graves, principalmente para a agricultura e para a pecuária.

Mas não só: há também resultados diretos na distribuição dos recursos hídricos e no bem-estar das pessoas. As referências históricas do Instituto destacam alguns episódios de seca com maior gravidade.

De 1943 a 1946, há o registro da seca mais longa ocorrida. Além dela, houve eventos dignos de nota em quase todas as décadas seguintes, com destaque para as de 1965, 1976, 1980/81, 1991/92, 1994/95 e 1998/99 e 2004/06, sendo esta considerada a mais extensa em termos territoriais e a mais severa, atingindo 100% da área continental.

Ainda de acordo com as observações, as regiões ao sul do Rio Tejo são as mais vulneráveis, e as que têm sido mais afetadas em todos os eventos.

Rio seco
© Midia NINJA

Também há um cálculo para Portugal Continental do valor mensal do índice PDSI (Palmer Drought Severity Index) por décadas, de 1961 a 2000, com a intenção de verificar como evoluíram os episódios de seca. Neste estudo, observa-se que nas duas últimas décadas do século XX houve uma intensificação da frequência de secas, principalmente no final do inverno e início da primavera, entre os meses de fevereiro e abril.

Desta forma, os dados demonstram que há uma tendência de um maior número de eventos, com duração cada vez maior e que tomam conta de todo o território, como a que ocorre neste ano.

A seca extrema de 2022

Para compreender a seca extrema que estamos a viver, é importante observar que o momento em que ocorre é atípico. De acordo com o IPMA, o índice PDSI mostrou no final de janeiro 2022 a situação de seca meteorológica, que se iniciou em todo o território em novembro de 2021 e agravou-se significativamente. Se considerarmos que as secas tendem a ocorrer no final do inverno, houve uma antecipação no evento deste ano.

Mapa Índice PDSI Janeiro 2022
Janeiro 2022 – Índice PDSI (Palmer Drought Severity Index) – ©IPMA

Observou-se, em relação a dezembro, um aumento importante da área e da intensidade da situação de seca, estando todo o território nessa condição.

Se o período das secas faz parte das características meteorológicas da Península Ibérica e acompanha o território português por toda a História, este ano, mostra-se ainda mais complexa, e tem sinais claros em todas as áreas do país.

Com muitos rios com os seus volumes drasticamente reduzidos, as atividades como a agricultura e a pecuária estão a ter inúmeras perdas, o que reflete diretamente na renda de grande parte dos habitantes de muitos Concelhos do país.

A situação torna-se ainda mais complexa, porque desde 2005 que Portugal não tinha tantas regiões em seca severa e extrema em pleno inverno. Os dados do IPMA confirmaram que o problema piorou muito desde o final de dezembro e deixou todo o território em situação de seca.

Embora na segunda semana de fevereiro tenha havido alguma precipitação no território, vale observar que em 31 de dezembro de 2021, 57,7% do território continental do país já estava em seca fraca. O ano terminou com 27% do país em seca moderada, número que passou para 54% antes mesmo do final de janeiro. A seca severa teve então um aumento de 9% para 34% do território.

Além disso, os dados revelaram que surgiu uma nova categoria de seca neste momento, sobre a qual é necessário ter mais atenção: a seca extrema, que em 31 de dezembro não ocupava nenhum espaço no mapa, e passou em fevereiro a ocupar 11% do território.  

Todos esses eventos, além da ausência de chuvas, também estão acompanhados por um aumento significativo da temperatura média, de 15,29 graus, o que representa um aumento de 2,20 graus em relação à média verificada entre 1970 e 2000.

E o que vai acontecer no futuro?

Entre os especialistas, alguns têm visões mais catastróficas sobre o que está a acontecer. O ex-secretário de Estado do Ambiente e consultor internacional da gestão da água, Joaquim Poças Martins, numa entrevista para a Rádio Renascença, admitiu que Portugal pode ter de enfrentar seca todos os anos. Para ele, estamos a viver uma mudança de paradigma, em que é necessário prepararmo-nos para estes cenários de seca que serão mais frequentes.

“Estamos habituados a secas de dez em dez anos. A nova normalidade vai ser termos secas de três em três, de dois em dois, ou até anualmente. Portanto, não faz nenhum sentido continuarmos a dar as mesmas respostas, quando mudaram as perguntas”, disse o ex-secretário.

Para encarar este fato, com secas cada vez mais presentes, é necessário que o país, a Península Ibérica e a Europa como um todo tenham um planeamento de longo prazo para o uso racional da água e para soluções que diminuam os efeitos do aquecimento global, em conjunto com outras regiões do mundo.

Muitos desses objetivos e metas já estão claros em diversos documentos, inclusive nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Porém, muitos deles não são observados e, principalmente com a emergência devido à pandemia da Covid-19, foram deixados de lado, inclusive em Portugal.

As secas e a relação com a crise climática

Tudo fica mais claro quando se observa esta situação e se relaciona à crise climática pela qual o planeta está a passar. Sabemos que as alterações climáticas têm transformado as características meteorológicas em diversas regiões do mundo, tornando invernos e verões mais rigorosos, mudando o regime de chuvas e causando impactos na flora e na fauna.

Muitas vezes, quando se fala da crise climática na Terra, as notícias na imprensa fazem pensar que os resultados dela serão sentidos daqui a muitos anos. Porém, as secas são claramente uma demonstração daquilo que parece às vezes distante está cada vez mais presente.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), há uma emergência na gestão dos recursos hídricos devido à seca, mas também episódios cada vez mais frequentes de desastres ligados a enchentes, o que demonstra um desequilíbrio que se intensifica a cada dia.

Os dados apontam para um aumento, desde o ano 2000, de 29% nos períodos de duração das secas. O secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Petteri Taalas, em matéria da ONU News, veículo de comunicação da Organização, informou também que o aumento das temperaturas está a causar uma mudança nos padrões de chuvas e nas temporadas agrícolas. Isso faz com que haja um enorme impacto para a segurança alimentar e para diversos aspetos da saúde humana. 

Para um país com tradição importante na produção agrícola e pecuária, que movimenta a economia também a partir desses produtos, como é o caso de Portugal, os resultados da crise climática são ainda mais perceptíveis, e necessitam de ações concretas e rápidas.

Medidas políticas podem ser eficazes?

As medidas políticas para que se combata os efeitos da crise precisam ocorrer com assertividade e pragmatismo. Isso porque a seca de 2022, além do abastecimento de água para as mais diversas atividades, se mostra também como um empecilho para a transformação da matriz energética do país.

Afinal, com os rios passando por um período tão longo de seca, a capacidade de geração de energia hidroelétrica diminui, o que resulta na necessidade maior do uso de gás natural, e mesmo da ameaça da possibilidade de religação de termelétricas a carvão.

O problema é que o que está a acontecer agora não pode ser visto como uma situação de emergência, mas como uma nova realidade meteorológica e ambiental em Portugal, com novas abordagens que possam dar conta. No entanto, grande parte das medidas tomadas pelo governo português contra a seca são paliativas, conforme dizem alguns especialistas.

Cartaz com a frase "The climate is changing. So should we act now!"
© Markus Spiske

Embora há tantos anos a tendência das secas seja uma realidade, não há aparentemente uma ação planeada para encarar os factos de que as secas tendem a ser, nos próximos anos, ainda mais extensas e demoradas.

Um dos principais problemas é o desperdício da água, que ocorre principalmente no processo de distribuição, além também de ser uma realidade no uso não racionalizado nas casas, na produção agropecuária e na indústria.

Espanha, que passa pelo mesmo processo de seca, precisa fazer parte desta discussão, já que grande parte dos grandes rios que passam por Portugal nascem no país vizinho. E, para que haja um uso racional da água, para a produção de energia, de alimentos e para o uso doméstico, não há como deixar de contar com um planeamento conjunto.

Como contribuir para poupar água?

Embora muita gente associe a economia de água no dia a dia como algo que pode fazer com que este recurso não falte, as atitudes não podem ser simplesmente ligadas ao ato de fechar a torneira, pois há hábitos conscientes que vão para além disso.

Isto porque grande parte da responsabilidade individual e familiar do consumo de água ocorre no uso de produtos que usam muita água na sua produção, e não diretamente daquilo que usamos no banho, na limpeza da nossa casa ou na rega das plantas.

Porém, nas nossas casas, também é possível racionalizar o uso, com banhos mais curtos, com o reparo de vazamentos, principalmente em residências mais antigas, e também com soluções mais modernas para o aquecimento da água, já que muitas vezes há um grande desperdício na espera pela água quente dos aquecedores a gás.

O problema é que, em alguns municípios portugueses, até mesmo as empresas de distribuição de água contribuem para o desperdício, como é o caso de Paços de Ferreira. O facto de haver um consumo mínimo exigido (ainda que ilegal) para que não sejam cobrados 40 euros de taxa. Então, as pessoas preferem desperdiçar água até chegar ao mínimo exigido e pagar menos na fatura.

No entanto, a racionalização do consumo de outros produtos pode ser um aliado na poupança da água. A diminuição do consumo de carne é um passo importante, já que a produção de proteína animal é uma das que mais gastam água. Também é possível diminuir a necessidade de água com a adoção de práticas de reciclagem, reuso e reaproveitamento de embalagens e outros produtos, pois todos eles usam água na produção.

A conscientização de todos de que os limites do planeta estão a ser ultrapassados, e que já estão a ter impactos inesperados e mais rápidos que o previsto, salienta a importância de que cada um de nós deve fazer a sua parte para que os eventos que estamos a viver, como a seca extrema, não se agrave a longo prazo.

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